quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O natural te constrange? (Relato sobre o 8º ENUDS)



(por Dorothy Lavigne)

"Vai tomar no c*!"

Achou a frase ofensiva? Os cerca de 450 estudantes reunidos em Campinas neste ultimo feriadão não acharam, muito pelo contrário. Tanto que o cartaz que dava boas vindas aos que chegavam a 8ª edição do ENUDS (Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual) era uma composição de fotos de vários ânus, e propunha que se adivinhasse qual pertencia a um gay, um hetero, uma transexual, etc...

Como o tema:"Assimilação X Transformação- políticas de subversão e ciladas dos movimentos sociais" o evento conseguiu de forma magistral alcançar o objetivo ao qual se propunha; ser um espaço de subversão cultural e liberação dos corpos e apresentar criticas ao"conservadorismo das ONGs e instituições ligadas a questão LGBT.

Quando cheguei por volta das 9 da manha de sexta, nem imaginava tudo o que estava prestes a acontecer diante dos meus olhos. Admito não ter aproveitado todos os espaços por que tive que ir constantemente ao alojamento levantar o queixo. Coisa de "curitiboca" bem comportadinha.

Logo na mesa de abertura, um dos oradores resume o que estaria por vir, ao aludir a uma pixação nos muros de Paris no Maio de 68:"Quanto mais faço revolução, mais sinto vontade de amar. Quando mais amo, mais sinto vontade de fazer revolução".

Na noite de domingo, uma festa na boate Orion, o TransENUDS fora palco de um ato político emocionante e inesperado. Estavam previstas na programação várias performances, incluindo um "topless". Porém a milícia dos bons costumes, digo, os seguranças da casa tentaram intervir. Nesse momento, Janaina Lima, militante do Grupo Identidade e uma das organizadoras do evento sobe ao palco para denunciar o ato de repressão, e diante do desafio "O que vamos fazer?" todas as mulheres presentes passaram a mostrar os seios em solidariedade a colega discriminada (vide foto acima, tirada por Manoel Barbosa).

No outro dia, na mesa sobre feminismo, uma professora palestrante, ao sugerir que o Enuds se limitava a um evento acadêmico, recebera como resposta de um dos participantes "O que é academia pra vocês? Pra que tanto antagonismo entre militância e academia? Vamos lutar contra o verdadeiro inimigo em vez de lutar uns contra os outros!"

Houve ainda na segunda feira de manhã uma visita a Fazenda Roseira, importante marco histórico e patrimônio cultural ameaçado pelo "progresso", e que só resiste graças a intervenção direta da Comunidade do Jongo Dito Ribeiro, que resgata parte da tradição negra em meio a construção de modernos complexos habitacionais e shopping-centers.

Pontos altos na programação foram os "oficursos", com oficinas dos quais destaco 3:
" Introdução à Política Queer", apresentado por Richard Miskolci e Leandro Colling; "Os Estigmas da Ditadura no Corpo", coordenado por Jardel Augusto Dutra da Silva Lemos e "Cenas e Imagens Pornográficas: faça você mesmo", coordenado por Fernando Matos e Fátima Regina Almeida de Freitas

Quem não foi e gostaria de saber o que perdeu veja a programação:http://www.identidade.org.br/2010/html/programa/index.html

Agora falarei sobre minha experiência pessoal e o que aprendi durante o evento. Preciso admitir que não consegui estar presente a todos os espaços como já afirmei. As atividades me impactaram por demais, ao ponto de não conseguir sair do alojamento com medo do que poderia ver do lado de fora. Nesse momento consegui perceber o quanto somos reprimidos e anulados em nossos desejos, descobri que temos um corpo e o que podemos fazer com ele. Vi o quanto da minha vida foi jogada fora por causa da repressão social e da falta de coragem de me impor.

O ENUDS mudou minha vida quando, no momento em que as pessoas estavam saindo do alojamento para ir embora, ao ver do lado de fora um grupo de nudistas, criei finalmente coragem e gritei, entre lágrimas: "Gostaria muito de participar com vocês, mas meu corpo não permite [por ser transexual em transição] "

Para mim, o Encontro foi mais que um momento de catarse, um caminho para a libertação de muitos traumas pessoais e a oportunidade de vivenciar um mundo inclusivo que tentamos construir, no qual as pessoas não tenham mais medo de ser o que quiserem ser.

Por fim, caso o ilustre leitor tenha se sentido em algum momento de meu testemunho constrangido ou mesmo violentado em seu pudor, respondo com uma das frases escritas em um dos vários cartazes espalhados pela Unicampi: "Eu vivo a tua vergonha".

Pense nisso. Em 2011, o ENUDS será na Bahia e você também terá sua oportunidade...

Fotos do evento você poderá conferir em http://www.flickr.com/photos/alemdaparada

DESAFIO:

Para quem foi ao ENUDS em Campinas, que tal postar aqui na parte de comentários, como foi sua experiência? Divida com a gente.

8 comentários:

  1. OI lindona é dífícil citar uma experiência...emocionante a subversão, a liberdade e o rompimento com as normatividades cotídiana. o Enuds para além das mesas é um momento constante de profunda transformação de reflexão da forma de relacionarmos, romper com as limitações impostas por esta cultura que nos oprime....
    que sejamos ENUDS no dia a dia que a energia deste evento nos dê força de rompermos com a opressão.
    vamos da o c....mostrar o c...o seios os corpos e a lígua para professar dicursos que rompam com a ordem opressora que nos mata por dentro e por fora.

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  2. Com certeza, acho que demorou muito para nossa juventude, e me inclua com gosto, mas que não se trata da opresssão a uma "letra", mas a corpos e identidades. Obrigada pelo comentário e volte sempre.

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  3. Gata! Foi do caralho! Só realmente quem foi é que pode ter entendido o clima, o sentimento de unidade e de união que tomou conta de tudo. Ano que vem é nós lá !

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  4. DEMOROOOOOOO!!!

    PENA QUE NÃO DEU PARA IR NO ENUDS 2010!!!
    É ISSO AÍ GENTE TEMOS QUE SEMPRE AGIR ASSIM EM SOLIDARIEDADE PARA CONSEGUIR DERRUBAR AS "VERGONHAS" DESSE CULTURA QUE NOS OBRIGAM A ENGOLIR O TEMPO TODO.
    MUITO EMOCIONANTE MESMO
    QUEREMOS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS MAIS...

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  5. Gente que situação linda!!!Tira até o ar!!!

    Cadê essa galera!!Alguém sabe dizer? O movimento ficou somente na danceteria (o que já foi muita coisa) ou foi para além disso, ou seja, pensaram em levar para outros momentos? Gostaria de estar (re)vivendo junto da galera (só que desta vez lá no meio como todo mundo o que não foi possível...que coisa linda)
    MUITA FORÇA PARA VOCÊS PROPORCIONAREM MAIS SITUAÇÕES COMO ESSAS!!
    DÁ ATÉ EXTASE SÓ DE OLHAR SINAL QUE O MUNDO ESTÁ CHEIO DE GENTE DISPOSTA A PROPORCIONAR MUITO... MAS MUITO MAIS AINDA!!!CADÊ VOCÊS PESSOAS DE ATITUDE ALGUÉM SABE DIZER?
    QUE VENHA A MILÍCIA (DA NOJENTA MORAL E BONS COSTUMES DESSA CULTURA DE MERDA) QUE COM ESSA GALERA AÍ A GENTE PODE CONTAR E O MELHOR COM MOMENTOS DELICIOSOS!!
    ESPERANÇA É ISSO QUE DEIXA...MUITA ENERGIA MESMO PARA VOCÊS!!
    ;D

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  6. PERDI ESSAAAA!!ESTOU COM LÁGRIMAS NOS OLHOS!!!

    QUANDO VAI HAVER UMA PRÓXIMA!!QUERO ENCONTRAR ESSA GENTE SORRIDENTE!!
    ISSO QUE EU CHAMO DE MILITÂNCIA O RESTO É SÓ DISCURSO!! CHEGA DE SÓ FICAR NOS DISCURSOS E NOS CONSERVADORISMOS DE ONGS E ESSES BOINGS DE CONSERVAS E CONSERVANTES ESPALHADOS PELOS NOSSOS CAMINHOS...
    É ISSO AÍÍ EROS SEMPRE NO CORPO E NA MENTE!!!BIZ BIS
    BEIJUUUUS PARA ESSA GALERA LINDA E GUERREIRA!!!
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  7. É isso ai, galera, to gostando de ver a participação mesmo que só no virtual! Como disse, minha vida tem mudado e se revolucionado a cada dia depois do ENUDS. O proximo vai ser na Bahia. Vamos nos desnudar de todo preconceito e de toda repressão.

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  8. Olá Dorothy, tudo bem?

    Confesso que ainda preciso me desnudar de vários preconceitos e repressões que as instituições dessa sociedade me fizeram aceitar. Mas sabe...fico contente por ver que você trouxe ao nosso conhecimento pois se dependesse da tropa "horrorizada com ações como essas" nunca iamos ficar sabendo. Preciso aprender muito com o pessoal e me deixar permitir com ações como essas e me movimentar pois movimentos como esses precisam chegar á mais pessoas, né?
    Sorte para vocês e que façamos mais permissões a nós por onde quer que passemos afinal se quisermos mudanças temos fazê-las para já.
    Força e felicidades

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