quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A minha história dos outros: Muito além do cinema

Da série "A minha história dos outros"
Um espaço para gente contar as suas experiências sem medo nem preconceito



“Um dia uma amiga minha arrumou um namoradinho e vi os dois se beijando. Passei mal, comecei a chorar, tive febre alta. Levaram-me para a enfermaria do colégio e minha irmã veio me buscar na escola”, relembra Dora Maciel. Aos 13 anos Dora tinha ciúmes de uma colega, imaginava beijos com ela, mas não entendia o por quê.

Quando passou mal contou para a mãe, a professora de história Júlia Me
ndes Nogueira, o motivo: uma amiga estava namorando. A mãe começou a chorar, pois suspeitava da homossexualidade da filha e logo depois a levou para uma psicóloga. “Na psicóloga eu comecei a me compreender melhor. Ela dizia que podia ser uma fase, que se eu fosse lésbica mesmo eu assumiria isso e não teria dúvidas”, conta.

Por dois anos Dora namorou meninos, mas não havia deslumbre ou desejo pelo sexo oposto. Por isto, aos 15 anos, procurou uma experiência com mulheres. E encontrou. Uma mulher mais velha, com 30 anos, formada em filosofia e sociologia. “Ela conversava bastante comigo, a conheci quando procurei
o movimento feminista de Curitiba. Ela não queria se envolver por causa de minha idade, mas trocávamos muitos e-mails e saíamos juntas mesmo assim”. Entre os passeios foram a um museu e ali, em um local meio escondido, aconteceu o que Dora mais ansiava: um beijo. “Foi algo muito delicado, eu gostei, senti uma energia muito forte. Eu tinha beijado meninos, mas ali foi a primeira vez que realmente senti prazer com um beijo. Senti o arrepio, me senti leve”.

Até o momento que a mãe Júlia leu um email desses, meio de romance meio de amizade, e teve um dia de fúria, que culminou com ameaças de denúncia à polícia. Dora relembra o momento em que sugeriu a mãe que ligasse para a responsável pelos e-mails de amor. “Dei meu celular nas mãos dela. Ela o pegou, jogou no chão e quebrou em três partes! Fiquei sem reação”.

Júlia queria que a filha voltass
e a psicóloga, no entanto Dora só iria se a mãe fosse também. O pai, o engenheiro florestal Renato Maciel, aproximou-se da filha nesta época. Ele, que andava muito distante, começou a contar suas histórias de antigamente e os dois tornaram-se mais amigos. Enquanto isto, a mãe continuava a terapia. A profissional a aconselhou a ser menos repressiva, explicando que era natural a procura por pessoas mais velhas, considerando que Dora era mais madura para idade que tinha. Orientações que acalmaram a fera.

Após várias consultas a situação se fez diferente e Dora percebeu na hora. “Quando eu dizia que ia ao cinema, ela não perguntava mais com quem eu iria porque preferia não saber. Ela perguntava apenas o horário que eu iria voltar. Nada mais”. A preocupação social também ficou evidente. A mãe tinha medo que algum vizinho visse a filha com uma namorada na rua, por isto preferia que as duas ficassem em casa, no quarto. “Respeito a limitação dos meus pais, nunca abracei uma menina na frente deles, trato-as como uma amiga quando estão em casa. Entretanto eles sabem e aceitam, até simpatizam com a minha namorada, dão presentes. Esses dias meu pai comprou um queijo pra dar pra ela!”, conta aos risos.

Hoje, com 19 anos e assumidamente lésbica, a vestibulanda Dora percebe que a mãe não se preocupa mais com vizinhos e até se especializou no tema, com cursos sobre educação e direitos LGBT. O único medo agora são agressões, morais e físicas, que a sociedade pode cometer contra a filha. “Minha mãe não gostava da idéia que eu fosse na Parada Gay, achava que eu estava me expondo demais. Mas um dia eu saí em uma foto na internet, segurando uma faixa de Direitos Humanos na frente da Parada e ela guardou a foto para mostrar pras amigas dela”. A relação do pai com a filha cresceu e todas as sextas-feiras a dupla sai para conhecer bares, jantar fora e, de vez em quando, visitam a namorada da Dora. “Minha mãe a trata bem, teve um dia que ela fez um molho de tomate seco pra ela levar pra casa. A mãe da minha namorada manda presentinhos para minha mãe e as duas ficaram amigas”.

Nas ruas o casal não anda de mãos dadas, apenas em lugares alternativos. Tudo “para evitar ouvir os outros dizendo ‘que nojo’ ou sentir olhares fixos, é desconfortável”. E, para Dora, o relacionamento atual deu certo por um forte motivo: “meus pais já estão conformados e mais simpáticos. Os relacionamentos anteriores costumavam dar errado porque eu não tinha um espaço com a pessoa, nós só podíamos ficar juntas no cinema”.

Um comentário:

  1. May! Adorei, tô me sentindo importante e poderosa com seu post. rs
    Dora

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