quarta-feira, 27 de abril de 2011

Uma Carta de Amor que não tem nome- e que não quer ser aprisionada numa garrafa

Novidade: agora o blog Além da Parada também divulga cartas de amor. Nada mais digno num espaço que fala sobre sexo, gênero, sexualidade, desejo. Quem tiver algum material e quiser divulgar, mande pra gente. O espaço também é seu!


Uma Carta de Amor que não tem nome- e que não quer ser aprisionada numa garrafa

(E lá se vai o cordão dos tolos novamente...)

Sim, esta é uma Carta de Amor e um desabafo.

Bem, decidi tomar coragem para escrever o que sinto, me expor mesmo. Há muito para ser dito sobre este sentimento deslocado no tempo e a que chamo didaticamente de ”Amor Queer”. O fato é que nos esquecemos que por baixo de toda estampa subversiva existem seres humanos, sentimentos, sonhos, fantasias. Por baixo do silicone também bate um coração.

Pouca gente parou para pensar sobre a vida afetiva de pessoas travestis e transexuais. Muita gente conhece o lado “glamour”, o lado “fetiche”, o lado “promíscuo e despudorado”. Mas a que preço se alcança esse ideal? A repressão dos próprios sentimentos?

Já ouvi alguém comentar que pessoas apaixonadas são consideradas “loucas” e não são compreendidas, uma vez que a paixão não passa pelo crivo da racionalidade. Eu prefiro ficar com Saint-Exupéry, quando ele afirma que apenas os apaixonados são capazes de mudar o mundo, justamente por estarem num plano acima da fria, duro e limitada razão. Nisto tenho certeza que concordamos.

Pois bem, me apaixonei. Mais uma vez rompi com o status quo transnormativo. Mais uma vez fui além daquilo que me era esperado, fugindo da sarjeta e da auto-repressão. Me dei o direito de sentir e amar, numa época em que gostar de alguém, “exagerar” é tratado com psicotrópico, e não só a minha “identidade”, mas também o “fetiche esquizóide” de quem tentar se aproximar tem sua vaga garantida entre os “transtornos mentais”. Cansei de tentar ser sã, vou viver minha doce loucura. Parafraseando Cazuza,”o meu prazer agora é patológico”.

Você me pergunta o que farei com meu corpo, se vou fazer a tão falada cirurgia, e a única coisa que tenho como resposta é que quero um corpo capaz de dar e receber carinho e prazer. Descobri que a configuração dos corpos não me importa, nem tampouco a sua estética,e sim o que se pode fazer com eles. Mas como aproveitar um corpo que não tem molde, como experimentar algo inintelegivel, como senhoras idosas que acordam de um dia para outro e descobrem que tem vaginas e que, agora, podem se dar ao luxo de serem adolescentes. No fundo é isso que procuro, a chance de aos 32 anos poder ter 15 e viver um grande amor.

Não importa o corpo, não importa o gênero. O que importa são os nossos sonhos e fantasias. E com toda certeza não falo só de sexo. Sonho com o dia em que deixarei de chorar por ti e passarei a chorar contigo. Será que nossas fossas lacrimais também podem ser usadas como fonte de prazer?

Pieguice mata, doutor?

Você me fala sobre teorias e coisas fabulosas que tem aprendido com suas leituras e tudo o que eu queria era pegar na sua mão, falar e ver coisas belas. Queria tomar banho de cachoeira, ouvir musica, dançar e dar risadas até tarde da noite e, por que não, experimentar novamente cada meandro do teu corpo, sentir teu aroma e ouvir sua voz rouquinha falando obscenidades no meu ouvido.

É dessas coisas mesquinhas e humanas que sinto falta. Queria ter alguém com quem pudesse construir uma história e, já velhinha, dar risada das loucuras que fazemos agora. E o mais irônico e paradoxal é que subverto mesmo quando tento ser “careta”e conservadora. Não é este tipo de romantismo que se espera de uma teórica-queer-pós-identitária-revolucionária- aliás, que simplesmente prega e busca experimentar tudo isso .

Você me diz que sonha ou tem medo de se apaixonar de novo e eu tento tomar coragem para dizer que sonho o tempo todo que fosse por mim, assim seriamos dois corações felizes e completos numa só alma. Mas “l’amour est une oiseau rebelle”, e a felicidade nunca bate a nossa porta. Depois de 6 longos anos,desde que nasceu um discurso chamado “Dorothea”, descobri que ainda sou capaz de me apaixonar e percebi algo que a sociedade tenta nos esconder a todo custo: que apesar de tudo somos seres humanos. E mesmo se não tiver o prazer e a alegria de ser correspondida algum dia, sou grata pois aprendi que sofrer e amar (não necessariamente nesta ordem) fazem parte de uma coisa maravilhosa chamada “VIDA”.

Em suma, você reclama do carinho que não recebeu e eu só quero uma chance para dar o meu. Amor e respeito não se solicitam, mas mesmo com todas as minhas limitações, quero uma chance, uma oportunidade de poder dividir vida e felicidade.

Se o amor “bi” e “homo” é aquele que não se ousa dizer o nome, o “amor queer” não tem um nome para ser dito. É pura abstração, é algo deslocado no tempo e espaço. Não tem compromisso com nada, a não ser ele mesmo (o sentimento). Não é ”auto”, nem “outro”: é cosmo-centrado. Não pode acabar, uma vez que não tem começo. E só para contrariar o poeta: “não tem fim, posto que não é chama”.


(Dorothy Lavigne)

Um comentário: